Hoje acordamos em São Paulo, não apenas no estado, na cidade grande. Saímos de Florianópolis acreditando que nosso principal meio de locomoção seria os caminhões. Isso pode vir a ser, mas até agora não foi. Até o momento em que o lápis risca esse papel, nos movimentamos principalmente por ônibus. Apenas a estreia, a estreia sim, essa foi caminhoneira. Com um caminhão de bananas, nada mais original para um leitor do hemisfério norte. Esse punhado de bananas sobre rodas nos levou do SEASA de Florianópolis até Tijucas. Não foi uma grande distancia, mas um bom início.
Uma coisa percebemos. Caminhoneiros são otimistas em relação a carona. Tão otimistas que superam de longe a realidade. E foi assim, seguindo esse otimismo, que descemos em nosso primeiro posto de gasolina em Tijucas. Final de tarde calorento, esticamos nossos braços, levantamos nosso polegares e nossa placa: Itajaí. O tempo passou no posto, e logo estávamos num pasto dentro da barraca. Apesar de termos ficado 30 min. sorrindo para carros e caminhões, a única coisa que pegamos foi uma chuva forte e passageira.
Acordamos, desmontamos acampamento, e seguimos novamente para o posto. Mais uma manhã de tentativa e fracasso. Os frentistas já desconfiavam. Quem são esses despossuídos peregrinos? Assim surgiu o repúdio em seus semblantes. Sentimento que nos fez desistir desse posto e caminhar até a rodoviária. Foi o primeiro sinal de que carona de caminhão não é tão fácil. Pelo menos em nossas condições morfológicas, sem as características que formam um corpo dito feminino. Já na rodoviária gritei aos ares, após retirar nosso escasso dinheiro para a passagem: ''Isso não ficará assim!'' Como se nossa situação fosse personificada em um inimigo que rouba nossas economias.
Com o ônibus chegamos até Itajaí. Perambulamos pela cidade, procurando um local para apresentarmos nosso teatro. Escutamos um taxista contar uma história que desprezava os manipuladores da fé e defendia os ateus. Pensamos nele como uma pessoa sensata, e seguindo seu conselho fomos para uma praça nas proximidades. O taxista pintou a praça com árvores grandes, quadras poliesportivas e pistas de caminhada,tudo isso intensamente frequentado por pessoas em busca de lazer. Ao chegarmos comparamos a pintura com o que nossa percepção captava. Sim, havia tudo aquilo que ele indicou, porém tudo coberto de degradação. As pessoas que estavam na praça habitam o outro lado do turismo. O lado proletário. Isso não impede nossa apresentação, o número de pessoas que impediu. Haviam cerca de dez, despeças entre consumidores de cânhamo e jogadores de dominó. Desistimos da apresentação, dormimos, atravessamos a rua para usar o banheiro perfumado de uma rede de supermercados, e decidimos seguir viajem. Um pai que brincava com seu filho, nos indicou o centro de assistência social, que fica na rodoviária, disse que lá conseguiríamos abrigo.
Seguimos até a rodoviária, e no caminho demos um tiro certeiro no escuro, pedimos almoço num restaurante, entre muitos, e recebemos comida para uma família de retirantes. Levamos as marmitas cheias e fizemos a refeição na rodoviária. O referido centro de assistência social estava fechado, havia apenas outra assistência social, a fardada, que dispensamos rapidamente. Sem assistência, fomos caminhando com nossos próprios pés, nada mais digno, atrás de um posto, uma espécie de El dourado da carona.
[Continua]